O sonho de Tiradentes
Ao lado dos demais “rebeldes”, Tiradentes foi condenado de forma cruel, covarde. Mas nos deixou a lição de que a liberdade é fundamental para o país que quer ser, de fato, nação
Muitos estudos já foram feitos sobre o mártir da independência. Alguns afirmam que Joaquim José da Silva Xavier, por ser o mais frágil dos inconfidentes, foi vítima de um governo que queria apenas demonstrar seu poder. A Inconfidência Mineira, um dos principais movimentos sociais do Brasil, reuniu muita gente que, insatisfeita por conta da opressão colonizadora, decidiu lutar a favor da liberdade.
Mortes descabidas, perseguições desumanas, capturas injustificadas, pela causa libérrima. Ânsia de um povo forte. Liberdade, ainda que tardia.
Mas o que queria essa brava gente? O que queria o mártir, Tiradentes? O que queria o jovem que não tinha pai nem mãe e que foi tropeiro, mascate e, depois, dentista? O que queria o rapaz influenciado pelo Iluminismo? Queria iluminar. E não se ilumina sem liberdade. E não se tem liberdade sem conhecimento. Desejava ver a pátria não apenas livre de Portugal; desejava, como todos os inconfidentes, um país igualitário, justo. Para todos. O sonho do abolicionismo ocupava ideias e pensamentos desse grupo. Escravidão, nunca mais. Nem social, nem cultural, nem econômica. E com poesia. O grupo inconfidente contava com três grandes poetas: Cláudio Manuel da Costa, Tomás Antônio Gonzaga e Alvarenga Peixoto.
O sonho de Tiradentes, herói nacional e condutor da conjuração independentista, era o sonho de fazer do Brasil uma nação. “Nação” vem do latim natio. Tem como conceito pessoas nascidas no mesmo local, ou com as mesmas tradições, ou como frutos de uma mesma cultura. O Brasil precisava ser independente para se constituir nação. E essa independência foi conquistada, oficialmente, alguns anos mais tarde. As Gerais, centro das riquezas coloniais do século XVIII, deram o primeiro passo. O Brasil seguiu a determinação de Tiradentes e de outros bravos líderes.
Uma nação dá oportunidade aos “nascidos”. Uma nação não se acomoda diante da dor daqueles que estão à margem. Porque a nação é como um corpo em que cada membro tem importância única.
O Brasil tornou-se uma nação respeitada no mundo. Um país que cresce e que gera empregos. Mas é preciso mais. O sonho ainda não acabou; há muito a ser aspirado e realizado, com fé e coragem. Temos de olhar, em especial, para aqueles que não têm condições de desenvolver seu potencial porque são excluídos, ignorados pela sociedade da qual fazem parte. Pessoas que possuem, constitucionalmente, direitos garantidos, mas que, na prática, não os veem respeitados.
Tiradentes lutou pela liberdade, palavra tantas vezes banalizada, dita em vão. Mas também utilizada, em certas ocasiões, de forma poética, com a força que lhe é de direito. Cecília Meireles homenageou-a. Tomou o líder inconfidente como personagem primeiro e traduziu o sentimento que aquele termo traz em seu bojo. Encantou as palavras, reverenciando o sonho humano, o sonho brasileiro, o sonho do mártir. Seu Romanceiro da Inconfidência é fonte de grandeza e ternura:
“(...)
Correm avisos nos ares.
Há mistério, em cada encontro.
O Visconde, em seu palácio,
a fazer ouvidos moucos.
Quem sabe o que andam planeando,
pelas Minas, os mazombos?
A palavra Liberdade
vive na boca de todos:
quem não a proclama aos gritos,
murmura-a em tímido sopro.
(...)”
Ao lado dos demais “rebeldes”, Tiradentes foi condenado de forma cruel, covarde. Mas nos deixou a lição de que a liberdade é fundamental para o país que quer ser, de fato, nação. Cabe a nós dar a ela, na prática cotidiana, o sentido transformador que inspirou os inconfidentes. Que as iluminuras daquele tempo continuem a nos incomodar e que, incomodados, saibamos lutar, nos dias de hoje, por essa nação vocacionada a ser gigante. Liberdade. Para todos.
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